quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Morten Lauridsen - Sure on this shining night


Outro dos bons compositores corais do nosso tempo é Morten Johannes Lauridsen. Nascido em 27/02/1943, é um compositor americano, de descendência dinamarquesa. Foi compositor residente do Los Angeles Master Chorale, de 1994 a 2001, e é professor de composição há 40 anos na Universidade do Sul da Califórnia (Thornton School of Music). 

Extremamente dedicado à musica coral, tem várias obras cantadas por coros de todo o mundo. Perceberão uma flutuação em suas peças, o que pode ser erroneamente entendido como uma relação com a tristeza. Lauridsen, pelo contrário, entende sua música como uma reprodução do misterioso, do sagrado, do silencioso e do místico que está na natureza e que nos envolve. Sua relação com o mundo se faz pela observação daquilo que está para além da grande movimentação urbana, daquilo que se aproxima do isolamento. Um asceta musical? Próximo a isso. 

Dentre suas peças, a minha preferida é a bela Sure on this shining night, a qual eu sugiro a gravação abaixo. Mas não deixem de ouvir outra peça referencial: O Magnum Mysterium.




Coro Madrigale
Pianista: Patrícia Valadão

Sure on this shining night
Of star-made shadows round
Kindness must watch for me
This side the ground
The late year lies down the north,
All is healed, all is health
High summer holds the earth,
Hearts all whole
Sure on this shining night
I weep for wonder
Wandr’ing far alone
Of shadows on the stars.
James Agee (1909-1955) - “Descrição do Elísio”, de Permit Me Voyage, stanzas 6-8, 1934.
Tradução:

Certeza absoluta nesta noite brilhante
com algumas sombras ao redor das estrelas
é que ela indulgente lembre-se de mim
encravado neste lado de chão
o último ano já migrou para o Norte
e tudo se curou e ficou saudável
o Verão alto mantém a terra
e bem íntegros os corações
com certeza nesta noite brilhante,
admirado, eu choro ao vagar solitário
e bem distante das sombras das estrelas

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Hino ao Criador da Luz – John Rutter


Dos compositores modernos que se dedicam à música coral, dois são muito conhecidos dos estudiosos desse repertório específico: John Rutter e Eric Whitacre. Nos próximos dias, mostrarei, além dos dois, mais alguns nomes importantes da composição coral (pouco comentados, infelizmente, por tratarem desse instrumento injustiçado: o coro).
John Rutter (1945-) é o mais conhecido dos compositores britânicos de música coral da atualidade. Mesmo se você pensa que não conhece a música dele, as chances de já ter ouvido ao menos uma de suas peças sacras – Jesus child, Nativity Carol, Mary’s Lullaby, Magnificat ou The Lord bless you and keep you – são grandes, pois são marcos da música coral nas redes sociais.
Esta peça, para duplo coro a quatro vozes, foi escrita para os coros da Catedral de Gloucester, Hereford and Worcester, em 1992. Bem diferente de uma linguagem posterior, mais conservadora, adotada por ele, o início da peça evoca um emaranhado harmônico que pode afugentar alguns ouvidos adeptos das harmonias convencionais e tonais. Não façam isso!!! Prossigam na audição e observem a condução, intencionada, por ele a um hino sacro alemão do século XVII.

Hino ao Criador da Luz
Glória a ti, ó Senhor, glória seja para ti,
Criador da luz visível,
Raio do sol, a chama de fogo;
Criador também da luz invisível e intelectual:
Aquilo que é conhecido de Deus, a luz invisível.
Glória a ti, ó Senhor, glória seja para ti,
Criador da Luz.
Para os escritos da lei, glória seja para ti:
Para os oráculos dos profetas, glória seja para ti:
Para a melodia de salmos, glória seja para ti:
Para a sabedoria dos provérbios, glória seja para ti:
experiência de histórias, glória seja para ti:
uma luz que nunca se põe.
Deus é o Senhor, quem mostrou-nos luz.
(Lancelot Andrewes, 1555-1626, tradução: Alexander Whyte.)

Luz, que fazes com que minha alma ilumine;
Sol, que fazes com que toda a minha vida brilhe;
Alegria, o homem mais doce fazes conhecer;
Fonte, de onde todo o meu ser emana.
Do teu banquete, deixe-me medir,
Senhor, quão vasto e profundo é o seu tesouro;
Através dos presentes que aqui nos dás,
Assim como teus convidados no céu nos recebas.

 (J. Franck, 1618-77, tr. Catherine Winkworth)


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Super flumina Babylonis - Palestrina

Ao retomar o semestre, saído da solidão reflexiva do doutorado, tomei como ponto de partida, e de recolocação mundana, a tarefa árdua e prazerosa de trabalhar os coros que rejo em aspectos técnicos que são essenciais para a qualidade deles (em coros, parafusos devem ser apertados eventualmente, sob risco de perdermos a disciplina do ritmo, da afinação, da harmonia e do equilíbrio). No meu caso, prefiro sempre trabalhar pontos específicos com peças referenciais. Sem entrar nos segredos do que está defasado em algum dos coros, uma das peças de referência do semestre, para os trabalhos com o Madrigale, é o moteto Super flumina Babylonis, do compositor italiano Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), ou, simplesmente, Palestrina. Essa peça é especial para mim por remeter aos meus tempos de menino cantor, além de mostrar a dramaticidade atingida na alta Renascença por esse grande compositor.

Um moteto é uma composição coral que não existe sem um texto para lhe dar forma. Os temas musicais, geralmente curtos na Renascença, mudam à medida em que as frases textuais se modificam. Então, não tentem ouvir um moteto procurando similaridades entre uma parte e outra.  O texto do Super flumina são os versículos 1 e 2 do Salmo 136, que fala do exílio do povo hebreu na Babilônia e seu sofrimento quando se lembravam da terra natal:

‘Às margens dos rios da Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião.
Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas harpas.’



quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Obra inédita do compositor Oiliam Lanna será apresentada pela Filarmônica de Minas Gerais

Sempre divulgaremos qualquer obra desse nosso amigo especial: Oiliam Lanna. Em minha opinião, o mais capacitado músico dessas Minas Gerais, que já nos honrou com sua participação em vários concertos do Madrigale. Sucesso Mestre!!!

A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais vai executar em duas apresentações, hoje, 17, e amanhã, 18, a estreia mundial da obra Minas – Vertentes, mistério, celebração, do compositor e professor da UFMG Oiliam Lanna. Sob regência do maestro Fábio Mechetti, os concertos terão início às 20h30, na Sala Minas Gerais, sede da Filarmônica.

A obra é inspirada nos mistérios e segredos do estado. Encomendada pela Orquestra, a obra remete às lembranças que o compositor tem de sua terra natal – a cidade de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata mineira: as montanhas, as paisagens, a roça.
Oiliam Lanna é considerado um dos maiores compositores brasileiros contemporâneos. É regente, pianista e pedagogo. Minas – Vertentes, mistério, celebração é a segunda obra encomendada a Oiliam Lanna pela Filarmônica; a primeira foi Rituais do tempo, (2010).


O programa terá participação também do violinista Augustin Hadelich, italiano de pais alemães. O músico retorna a Belo Horizonte para apresentar o Concerto para violino nº 1 em lá menor, op. 77, de Shostakovich. A Filarmônica conclui o concerto com dois poemas sinfônicos do húngaro Franz Liszt.

Foto: Maria dos Anjos Lara e Lanna

Informações extraídas do site: https://www.ufmg.br/online/arquivos/040031.shtml


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (7)

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral
Encerro a sequência de posts sobre as reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca com este texto sobre técnica de regência. É claro que o assunto interessa mais especificamente aos músicos, mas não deixa de ser um bom documento de investigação do pensamento do maestro mineiro. Não postarei um dos tópicos, aquele referente à técnica vocal, por considerar que há muitos outros blogs, livros e, consequentemente, opiniões que dizem respeito ao cantores e que podem gerar discussões não pertinentes ao que objetivamos que é a visão de aspectos corais. Sendo assim, vamos a este interessante objeto:

E. TÉCNICA DO GESTO OU REGÊNCIA
            É a técnica de dirigir um conjunto de cantores, conjunto de instrumentos (ou a reunião de ambos) através de uma linguagem universal do gesto
            UNIVERSAL            porque baseada em princípios universais. UNIVERSAL aqui significa compreensível em qualquer parte do globo terrestre. E o oposto de regional: princípio válido só para determinada região ou agrupamento humano. Mais ainda, no caso da Regência, é o oposto de INDIVIDUAL. Assim, um regente que tiver sua técnica baseada em princípios universais se ela estiver bem construída e se a formação do regente é adequada, este poderá reger qualquer conjunto, em qualquer lugar da Terra que se fará compreender imediatamente e alcançará os resultados almejados. Ao contrário (e isto acontece muito com regentes corais improvisados), se ele tem uma “técnica” individual, acaba compreendendo e seguindo (até certo ponto, dependendo de sua intuição ou talento), como se fosse um código entre maestro e seu conjunto, algo só para os seus “iniciados”... Porém (e já vimos isto, na prática), o mesmo maestro vai reger um outro coro, ou vai reger orquestra e... ninguém o entende – fracassa. Já houve mesmo o caso, muito comentado no Rio, de um determinado maestro de coro, europeu, que veio contratado para reger a OSN e, após ensaiar ou tentar fazê-lo, foi mandado de volta para seu país de origem: - ninguém entendia seu gesto. Era simplesmente um regente de coro, que devia ser entendido pelo seu próprio conjunto mas, diante de uma orquestra profissional, não conseguiu se fazer entender.
            Aqui precisamos fazer outra distinção: entre MOVIMENTO ESPACIAL e MOVIMENTO INDIVIDUAL. Uma bailarina faz um “arabesco” no ar com as mãos: é movimento individual. Um avião a jato (incapaz de movimento individual) faz no céu um “looping” ou um “oito” e dizemos: - “o voo do avião é bonito”: é movimento espacial. O corpo ou objeto desloca-se por inteiro, no espaço, mas nossos olhos acompanham seu movimento e nossa memória interrelaciona os pontos que percorre, dando-nos o “desenho” do movimento, Esse desenho podemos reproduzir no quadro-negro, no papel.
            No caso do gesto, o movimento espacial é essencial para a clareza do “desenho”: todo o braço do Regente se desloca por igual, da ponta dos dedos ao ombro. No caso da Regência de Orquestra, que necessita mais clareza, a batuta ajuda termos um desenho mais claro ainda. O movimento individual prejudica a clareza, não havendo unidade no movimento, ele se rompe (no braço/mãos) em articulações que confundem o olhar pela diversidade de pontos simultâneos incoerentes entre si. Vocês podem alegar que há momentos em que a música a ser executada exige clareza e precisão do gesto, enquanto outros exigem é expressividade, intensidade emocional. Certo. E isto está ligado às duas correntes mais antigas da Regência: a “prussiana” e a “francesa”. A prussiana, preocupada com a precisão e a clareza, é “angulosa”, bate os tempos do compasso, marcando pontos determinados visualmente no espaço, como os “pontos cardeais”, ligados por segmentos de reta, isto é, entre cada ponto, a “batuta”, ou o dedo da Regência vai pelo caminho mais curto: “o segmento retilíneo que os liga”. Se é clara, tal regência é dura, anti-expressiva. Em oposição, a regência francesa antiga, vinda da prática do “gregoriano”, também chamada “quironômica”, é toda em curvas. Não sendo escrava do compasso, a música gregoriana desenvolveu um tipo de gesto que acompanha suas flutuações e os desenhos de seus “melismas”, daí uma técnica de regência altamente expressiva e que pode tornar-se ineficiente na medida em que necessito da clareza do compasso e de caracterizar pontos – os tempos ou suas subdivisões – articulados no espaço visualmente. Aqui cabe a pergunta: não se poderia criar uma técnica que reunisse as duas tendências no que têm de positivo e necessário, eliminado seus defeitos? – SIM. MAS ISTO É RELATIVAMENTE RECENTE.
            A TÉCNICA MODERNA TEM TUDO ISTO E TEM AINDA MAIS: permite a seu possuidor a possibilidade de literalmente “TOCAR” o conjunto como se fosse um instrumento.
            Quando o regente não tem tal técnica ele saca no concerto aquilo que ensaiou, que treinou nos ensaios. Quando consegue atingir a proporção entre o gesto e a música e transforma tal conquista numa aquisição própria, que se torna nele uma segunda natureza, então, estará apto a CRIAR, a cada vez que reger: todos o seguirão nos mínimos detalhes do fraseio, dinâmica, agógica, tempo, articulação, etc. E ISTO, PARA UM VERDADEIRO ARTISTA, É FONTE DAS MAIS GRATAS EMOÇÕES E SATISFAÇÕES ESTÉTICAS, PERMITINDO UMA RARA COMUNHÃO ENTRE REGENTE-CORO-PÚBLICO.
            Para chegar lá, porém, é preciso muito trabalho sob orientação adequada. Isto é, pois, a META. Voltamos agora aos princípios básicos “universais”, sobre os quais se pode construir tal técnica. O primeiro passo foi unir as duas escolas: conservou-se os “pontos cardeais” das figuras dos compassos, usados pela regência “prussiana” e, entre tais pontos, em vez de deslocamento retilíneo, colocou-se curvas. Quanto mais a música necessitasse precisão, ficaria a regência mais angulosa, retilínea, marcando os pontos de inflexão das figuras dos compassos; quanto mais devesse ficar expressiva, mas “redonda” se tornaria, mais curva, “adoçando” os pontos de inflexão, que passariam a ser visualizados mais pelas mudanças de direção do gesto. (E, numa pequena frase musical podemos encontrar os dois oposto, donde ser uma regência muito mais rica de recursos, mais completa, mais adequada às variáveis da música!.
            Em relação aos COMPASSOS, podemos relacioná-los com os motores à explosão, quanto aos tempos: motores de 2 tempos, e tempos ou 4 tempos (compassos simples).
OBS: TEMPO, aqui, é o METRO, a PULSAÇÃO básica do ritmo (equivalente ao quadrinho do desenho quadriculado), à “batida do coração”, o pulsar do motor. (Música que põe ênfase no METRO, é “motórica”)
            Em relação às figuras que desenham ou marcam os compassos, vamos pesquisar um pouco, refazer o caminho que os mestres criadores da nova técnica palmilham. Primeiramente, vamos nos indagar algo que todos achamos que sabemos: - O QUE É COMPASSO? Vamos dar uma definição curta: é o espaço compreendido entre duas tesis. O QUE É TESIS? Pé no chão, segundo a métrica grega. Apoio. (Que muita gente boa confunde com ACENTO...) É o oposto de ARSIS, palavra grega que significava pé no ar. (Na prosódia: sílaba tônica = tesis; sílaba átona = arsis).
            Assim, um compasso de dois tempos (binário) seria: um tempo tesis, outro tempo arsis; - um compasso de três tempos (ternário): 1º. tempo – tesis; 2º. e 3º. tempos – arsis; - um compasso de quatro tempos (quaternário): 1º. tempo – tesis; 2º. e 4º.  tempos – arsis, sendo que no 3º. pode  pode o que no 3o.trê teois tempos (binsignificava pmos que sabemos: - O QUE azer o caminho que os mestres criadores da nova thaver uma “meia tesis” o meio apoio (mas não necessariamente, principalmente em tempos rápidos).
            E aqui, nosso primeiro princípio universal: em qualquer lugar do mundo atua a leia da gravidade. Portanto, toda noção de apoio é para baixo. Por isso, toda tesis, todo tempo 1 (um) deve ser embaixo, precedido pela linha vertical que o indica pela queda livre do braço relaxado.


terça-feira, 15 de setembro de 2015

Divulgação Concerto Sacro - Coro Lírico de Minas Gerais

Ainda em tempo: o Coral Lírico de Minas Gerais se apresentará, hoje, na Igreja de São Sebastião (Rua Paracatú, 460, Barro Preto), às 19h30.
Com um repertório totalmente sacro, o CLMG resgata o formato dos concertos sacros que eram feitos nas igrejas europeias dos séculos XVII e XVIII. Aproveitando a excelente e rica sonoridade do órgão de tubos, a proposta é intercalar os números escritos para coro e órgão, por tocatas de órgão solo, resgatando um diálogo de um tempo em que música na igreja era permitida somente se fosse interpretada pela voz humana, ou pelos tubos do órgão. A regência será do maestro Lincoln Andrade.
O programa é composto por obras de compositores como Bach, Mozart, Duruflé, Bruckner, Brahms e Louis Vierne. O acompanhamento e os solos de órgão são do pianista acompanhador do CLMG e organista da Igreja de São Sebastião, Hélcio Vaz do Val.


PROGRAMA
Tocata – solo de órgão
Thomas Tallis – “Spem in Allium”
Johann Sebastian Bach – “Jesus bleibet meine Freude”
Wolfgang Amadeus Mozart – “Ave, verum corpus”
Tocata – solo de órgão
Maurice Duruflé – “Ubi Caritas”
Pablo Casals – “O vos Omnes”
Heitor Villa Lobos – “Ave Maria”
Tocata – solo de órgão
Anton Bruckner – “Tota Pulchra es Maria”
Johannes Brahms – “Geistliches Lied”
Loius Vierne – “Kyrie Eleison”


Vale a pena!!! Maiores informações em: http://fcs.mg.gov.br/programacao/lirico-sacro-2/

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (6)

Continuação do item anterior...

FRASEIO
            Na música puramente instrumental, o fraseio cuida da boa construção da frase musical, ordena as pequenas articulações. Cuida também do aspecto fenomenológico da frase, das tensões e distensões que as relações sonoras engendram, impulsionando ou retendo a energia segundo seus elementos estruturais (melódicos, rítmicos, harmônicos) engendram. Se a música é vocal, sobre um texto poético/literário, temos também o fraseio do ponto de vista do texto. A combinação do fraseio musical com o fraseio literário depende muito de época, estilo, gênero, compositor. Em princípio, há leis básicas que são aplicáveis à maioria das situações. Em primeiro lugar, é preciso situar o relacionamento numérico entre sílaba e nota, (como já mencionamos antes: muitas notas para uma sílaba – melismático; muitas sílabas para uma nota – recitado; uma sílaba para cada nota – silábico) para saber que tipo de frase-texto teremos em relação ao fraseio melódico. Porém, em geral, duas constantes cabem: a acentuação correta do texto (que deve predominar), e as notas em vocalize mais leves que as que levam texto articulado (costumo pedir meia voz nas notas em vocalize).
            Mas, um dos pecados maiores quanto ao fraseio, é muito mais rudimentar e infelizmente muito comum: o excesso de zelo quanto às RESPIRAÇÕES. A preocupação com a respiração nas vírgulas e pontos do texto literário levam diversos regentes a cortar o coro com o gesto e a comandar novo ataque com outro gesto. Isto que pode ser correto, bom, necessário mesmo e de forte efeito em grandes articulações, às vezes exigidas pelo próprio compositor, ou justificadas pelo caráter do texto, feito a cada momento, a cada pequeno trecho ou membro de frase, pode ser catastrófico para o resultado final da peça COMO MÚSICA, pois a fragmenta, faz perder o já falado “fio condutor”, não por seu enfraquecimento (caso da “música arrastada”), mas por rompê-lo a cada instante.
            Alguns podem ter uma impressão (extra-musical) de comando e disciplina coral (“ah, como esse regente tem cortes precisos; como o coro é disciplinado; como segue o maestro...”), só que, com esse zelo pelo que há de mais elementar no fraseio, o regente estará fracionando tudo, rompendo a continuidade sonora e dando ênfase exagerada às respirações e articulações do texto, esquecendo-se de que estará liquidando a unidade do todo, fazendo do mesmo “uma colcha de retalhos”. Isto rompe o encadear das energias que, como dissemos, levam a música para frente.
(NOTA: afinal, as leis que regem a música são, no seu aspecto fenomenológico, as da Mecânica dos Fluídos (como na Hidráulica). Como a água, por exemplo, a melodia flui no sentido horizontal, sofrendo impulso ou retensão, como acontece com o rio: uma vez estreitado entre escarpas, corre tumultuado; depois as margens se alargam o fluxo torna-se tranquilo, até lento; uma vez encontrando obstáculo, as águas represadas se avolumam, cresce a tensão, depois, vencida a barragem, salta veloz sobre ela... O RITMO e a HARMONIA são os elementos que impulsionam ou retêm o fluxo melódico, criando suas tensões e distensões.)
            Recordemos o conceito de que uma peça coral se arma “como um arco de uma ponte”. Se sua tensão se quebra, a estrutura é rompida. Esfacela-se a ponte. Na própria linguagem falada não respiramos a cada vírgula. Então, de onde essa tendência? Agora, mesmo, respirando, fazê-lo sem ênfase, sem exagero. Aliás, ao cortar e atacar, acaba a respiração ficando mais longa que o pretendido, “esticando” o compasso, às vezes de quase um tempo a mais. E, já que falamos em linguagem falada, vamos entrar um pouco mais num dos aspectos mais importantes do fraseio: a diferenciação entre as sílabas tônicas e átonas.

            Tomemos, por experiência, um trecho vocal com texto, do tipo “silábico” e leiamos em voz alta (sem cantar, apenas falando) o texto. – O que acontece? Vamos ver que só apoiamos, damos ênfase, a certas sílabas, as chamadas sílabas tônicas. E vamos notar que se trata muito mais de fazer as chamadas sílabas tônicas mais longas que as outras, (chamadas sílabas átonas), do que propriamente fazer nelas um acento. Procuremos, depois, cantar o trecho conservando a acentuação da palavra falada, apoiando nas tônicas e fazendo leves as átonas. Vamos ver, então, como ganhamos em clareza, expressividade, como a peça musical se enriquece e ganha uma nova dimensão. A linguagem falada é riquíssima em inflexões. Por que perder toda essa riqueza ao cantar? Já temos ouvido tanta joia musical se tornar pesada, maçante, simplesmente porque os cantores acentuavam igualmente todas as sílabas, “mastigando” o texto. Na forma “recitada”, então, isto é importantíssimo.