quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Morten Lauridsen - Sure on this shining night


Outro dos bons compositores corais do nosso tempo é Morten Johannes Lauridsen. Nascido em 27/02/1943, é um compositor americano, de descendência dinamarquesa. Foi compositor residente do Los Angeles Master Chorale, de 1994 a 2001, e é professor de composição há 40 anos na Universidade do Sul da Califórnia (Thornton School of Music). 

Extremamente dedicado à musica coral, tem várias obras cantadas por coros de todo o mundo. Perceberão uma flutuação em suas peças, o que pode ser erroneamente entendido como uma relação com a tristeza. Lauridsen, pelo contrário, entende sua música como uma reprodução do misterioso, do sagrado, do silencioso e do místico que está na natureza e que nos envolve. Sua relação com o mundo se faz pela observação daquilo que está para além da grande movimentação urbana, daquilo que se aproxima do isolamento. Um asceta musical? Próximo a isso. 

Dentre suas peças, a minha preferida é a bela Sure on this shining night, a qual eu sugiro a gravação abaixo. Mas não deixem de ouvir outra peça referencial: O Magnum Mysterium.




Coro Madrigale
Pianista: Patrícia Valadão

Sure on this shining night
Of star-made shadows round
Kindness must watch for me
This side the ground
The late year lies down the north,
All is healed, all is health
High summer holds the earth,
Hearts all whole
Sure on this shining night
I weep for wonder
Wandr’ing far alone
Of shadows on the stars.
James Agee (1909-1955) - “Descrição do Elísio”, de Permit Me Voyage, stanzas 6-8, 1934.
Tradução:

Certeza absoluta nesta noite brilhante
com algumas sombras ao redor das estrelas
é que ela indulgente lembre-se de mim
encravado neste lado de chão
o último ano já migrou para o Norte
e tudo se curou e ficou saudável
o Verão alto mantém a terra
e bem íntegros os corações
com certeza nesta noite brilhante,
admirado, eu choro ao vagar solitário
e bem distante das sombras das estrelas

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Hino ao Criador da Luz – John Rutter


Dos compositores modernos que se dedicam à música coral, dois são muito conhecidos dos estudiosos desse repertório específico: John Rutter e Eric Whitacre. Nos próximos dias, mostrarei, além dos dois, mais alguns nomes importantes da composição coral (pouco comentados, infelizmente, por tratarem desse instrumento injustiçado: o coro).
John Rutter (1945-) é o mais conhecido dos compositores britânicos de música coral da atualidade. Mesmo se você pensa que não conhece a música dele, as chances de já ter ouvido ao menos uma de suas peças sacras – Jesus child, Nativity Carol, Mary’s Lullaby, Magnificat ou The Lord bless you and keep you – são grandes, pois são marcos da música coral nas redes sociais.
Esta peça, para duplo coro a quatro vozes, foi escrita para os coros da Catedral de Gloucester, Hereford and Worcester, em 1992. Bem diferente de uma linguagem posterior, mais conservadora, adotada por ele, o início da peça evoca um emaranhado harmônico que pode afugentar alguns ouvidos adeptos das harmonias convencionais e tonais. Não façam isso!!! Prossigam na audição e observem a condução, intencionada, por ele a um hino sacro alemão do século XVII.

Hino ao Criador da Luz
Glória a ti, ó Senhor, glória seja para ti,
Criador da luz visível,
Raio do sol, a chama de fogo;
Criador também da luz invisível e intelectual:
Aquilo que é conhecido de Deus, a luz invisível.
Glória a ti, ó Senhor, glória seja para ti,
Criador da Luz.
Para os escritos da lei, glória seja para ti:
Para os oráculos dos profetas, glória seja para ti:
Para a melodia de salmos, glória seja para ti:
Para a sabedoria dos provérbios, glória seja para ti:
experiência de histórias, glória seja para ti:
uma luz que nunca se põe.
Deus é o Senhor, quem mostrou-nos luz.
(Lancelot Andrewes, 1555-1626, tradução: Alexander Whyte.)

Luz, que fazes com que minha alma ilumine;
Sol, que fazes com que toda a minha vida brilhe;
Alegria, o homem mais doce fazes conhecer;
Fonte, de onde todo o meu ser emana.
Do teu banquete, deixe-me medir,
Senhor, quão vasto e profundo é o seu tesouro;
Através dos presentes que aqui nos dás,
Assim como teus convidados no céu nos recebas.

 (J. Franck, 1618-77, tr. Catherine Winkworth)


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Super flumina Babylonis - Palestrina

Ao retomar o semestre, saído da solidão reflexiva do doutorado, tomei como ponto de partida, e de recolocação mundana, a tarefa árdua e prazerosa de trabalhar os coros que rejo em aspectos técnicos que são essenciais para a qualidade deles (em coros, parafusos devem ser apertados eventualmente, sob risco de perdermos a disciplina do ritmo, da afinação, da harmonia e do equilíbrio). No meu caso, prefiro sempre trabalhar pontos específicos com peças referenciais. Sem entrar nos segredos do que está defasado em algum dos coros, uma das peças de referência do semestre, para os trabalhos com o Madrigale, é o moteto Super flumina Babylonis, do compositor italiano Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), ou, simplesmente, Palestrina. Essa peça é especial para mim por remeter aos meus tempos de menino cantor, além de mostrar a dramaticidade atingida na alta Renascença por esse grande compositor.

Um moteto é uma composição coral que não existe sem um texto para lhe dar forma. Os temas musicais, geralmente curtos na Renascença, mudam à medida em que as frases textuais se modificam. Então, não tentem ouvir um moteto procurando similaridades entre uma parte e outra.  O texto do Super flumina são os versículos 1 e 2 do Salmo 136, que fala do exílio do povo hebreu na Babilônia e seu sofrimento quando se lembravam da terra natal:

‘Às margens dos rios da Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião.
Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas harpas.’



quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Obra inédita do compositor Oiliam Lanna será apresentada pela Filarmônica de Minas Gerais

Sempre divulgaremos qualquer obra desse nosso amigo especial: Oiliam Lanna. Em minha opinião, o mais capacitado músico dessas Minas Gerais, que já nos honrou com sua participação em vários concertos do Madrigale. Sucesso Mestre!!!

A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais vai executar em duas apresentações, hoje, 17, e amanhã, 18, a estreia mundial da obra Minas – Vertentes, mistério, celebração, do compositor e professor da UFMG Oiliam Lanna. Sob regência do maestro Fábio Mechetti, os concertos terão início às 20h30, na Sala Minas Gerais, sede da Filarmônica.

A obra é inspirada nos mistérios e segredos do estado. Encomendada pela Orquestra, a obra remete às lembranças que o compositor tem de sua terra natal – a cidade de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata mineira: as montanhas, as paisagens, a roça.
Oiliam Lanna é considerado um dos maiores compositores brasileiros contemporâneos. É regente, pianista e pedagogo. Minas – Vertentes, mistério, celebração é a segunda obra encomendada a Oiliam Lanna pela Filarmônica; a primeira foi Rituais do tempo, (2010).


O programa terá participação também do violinista Augustin Hadelich, italiano de pais alemães. O músico retorna a Belo Horizonte para apresentar o Concerto para violino nº 1 em lá menor, op. 77, de Shostakovich. A Filarmônica conclui o concerto com dois poemas sinfônicos do húngaro Franz Liszt.

Foto: Maria dos Anjos Lara e Lanna

Informações extraídas do site: https://www.ufmg.br/online/arquivos/040031.shtml


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (7)

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral
Encerro a sequência de posts sobre as reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca com este texto sobre técnica de regência. É claro que o assunto interessa mais especificamente aos músicos, mas não deixa de ser um bom documento de investigação do pensamento do maestro mineiro. Não postarei um dos tópicos, aquele referente à técnica vocal, por considerar que há muitos outros blogs, livros e, consequentemente, opiniões que dizem respeito ao cantores e que podem gerar discussões não pertinentes ao que objetivamos que é a visão de aspectos corais. Sendo assim, vamos a este interessante objeto:

E. TÉCNICA DO GESTO OU REGÊNCIA
            É a técnica de dirigir um conjunto de cantores, conjunto de instrumentos (ou a reunião de ambos) através de uma linguagem universal do gesto
            UNIVERSAL            porque baseada em princípios universais. UNIVERSAL aqui significa compreensível em qualquer parte do globo terrestre. E o oposto de regional: princípio válido só para determinada região ou agrupamento humano. Mais ainda, no caso da Regência, é o oposto de INDIVIDUAL. Assim, um regente que tiver sua técnica baseada em princípios universais se ela estiver bem construída e se a formação do regente é adequada, este poderá reger qualquer conjunto, em qualquer lugar da Terra que se fará compreender imediatamente e alcançará os resultados almejados. Ao contrário (e isto acontece muito com regentes corais improvisados), se ele tem uma “técnica” individual, acaba compreendendo e seguindo (até certo ponto, dependendo de sua intuição ou talento), como se fosse um código entre maestro e seu conjunto, algo só para os seus “iniciados”... Porém (e já vimos isto, na prática), o mesmo maestro vai reger um outro coro, ou vai reger orquestra e... ninguém o entende – fracassa. Já houve mesmo o caso, muito comentado no Rio, de um determinado maestro de coro, europeu, que veio contratado para reger a OSN e, após ensaiar ou tentar fazê-lo, foi mandado de volta para seu país de origem: - ninguém entendia seu gesto. Era simplesmente um regente de coro, que devia ser entendido pelo seu próprio conjunto mas, diante de uma orquestra profissional, não conseguiu se fazer entender.
            Aqui precisamos fazer outra distinção: entre MOVIMENTO ESPACIAL e MOVIMENTO INDIVIDUAL. Uma bailarina faz um “arabesco” no ar com as mãos: é movimento individual. Um avião a jato (incapaz de movimento individual) faz no céu um “looping” ou um “oito” e dizemos: - “o voo do avião é bonito”: é movimento espacial. O corpo ou objeto desloca-se por inteiro, no espaço, mas nossos olhos acompanham seu movimento e nossa memória interrelaciona os pontos que percorre, dando-nos o “desenho” do movimento, Esse desenho podemos reproduzir no quadro-negro, no papel.
            No caso do gesto, o movimento espacial é essencial para a clareza do “desenho”: todo o braço do Regente se desloca por igual, da ponta dos dedos ao ombro. No caso da Regência de Orquestra, que necessita mais clareza, a batuta ajuda termos um desenho mais claro ainda. O movimento individual prejudica a clareza, não havendo unidade no movimento, ele se rompe (no braço/mãos) em articulações que confundem o olhar pela diversidade de pontos simultâneos incoerentes entre si. Vocês podem alegar que há momentos em que a música a ser executada exige clareza e precisão do gesto, enquanto outros exigem é expressividade, intensidade emocional. Certo. E isto está ligado às duas correntes mais antigas da Regência: a “prussiana” e a “francesa”. A prussiana, preocupada com a precisão e a clareza, é “angulosa”, bate os tempos do compasso, marcando pontos determinados visualmente no espaço, como os “pontos cardeais”, ligados por segmentos de reta, isto é, entre cada ponto, a “batuta”, ou o dedo da Regência vai pelo caminho mais curto: “o segmento retilíneo que os liga”. Se é clara, tal regência é dura, anti-expressiva. Em oposição, a regência francesa antiga, vinda da prática do “gregoriano”, também chamada “quironômica”, é toda em curvas. Não sendo escrava do compasso, a música gregoriana desenvolveu um tipo de gesto que acompanha suas flutuações e os desenhos de seus “melismas”, daí uma técnica de regência altamente expressiva e que pode tornar-se ineficiente na medida em que necessito da clareza do compasso e de caracterizar pontos – os tempos ou suas subdivisões – articulados no espaço visualmente. Aqui cabe a pergunta: não se poderia criar uma técnica que reunisse as duas tendências no que têm de positivo e necessário, eliminado seus defeitos? – SIM. MAS ISTO É RELATIVAMENTE RECENTE.
            A TÉCNICA MODERNA TEM TUDO ISTO E TEM AINDA MAIS: permite a seu possuidor a possibilidade de literalmente “TOCAR” o conjunto como se fosse um instrumento.
            Quando o regente não tem tal técnica ele saca no concerto aquilo que ensaiou, que treinou nos ensaios. Quando consegue atingir a proporção entre o gesto e a música e transforma tal conquista numa aquisição própria, que se torna nele uma segunda natureza, então, estará apto a CRIAR, a cada vez que reger: todos o seguirão nos mínimos detalhes do fraseio, dinâmica, agógica, tempo, articulação, etc. E ISTO, PARA UM VERDADEIRO ARTISTA, É FONTE DAS MAIS GRATAS EMOÇÕES E SATISFAÇÕES ESTÉTICAS, PERMITINDO UMA RARA COMUNHÃO ENTRE REGENTE-CORO-PÚBLICO.
            Para chegar lá, porém, é preciso muito trabalho sob orientação adequada. Isto é, pois, a META. Voltamos agora aos princípios básicos “universais”, sobre os quais se pode construir tal técnica. O primeiro passo foi unir as duas escolas: conservou-se os “pontos cardeais” das figuras dos compassos, usados pela regência “prussiana” e, entre tais pontos, em vez de deslocamento retilíneo, colocou-se curvas. Quanto mais a música necessitasse precisão, ficaria a regência mais angulosa, retilínea, marcando os pontos de inflexão das figuras dos compassos; quanto mais devesse ficar expressiva, mas “redonda” se tornaria, mais curva, “adoçando” os pontos de inflexão, que passariam a ser visualizados mais pelas mudanças de direção do gesto. (E, numa pequena frase musical podemos encontrar os dois oposto, donde ser uma regência muito mais rica de recursos, mais completa, mais adequada às variáveis da música!.
            Em relação aos COMPASSOS, podemos relacioná-los com os motores à explosão, quanto aos tempos: motores de 2 tempos, e tempos ou 4 tempos (compassos simples).
OBS: TEMPO, aqui, é o METRO, a PULSAÇÃO básica do ritmo (equivalente ao quadrinho do desenho quadriculado), à “batida do coração”, o pulsar do motor. (Música que põe ênfase no METRO, é “motórica”)
            Em relação às figuras que desenham ou marcam os compassos, vamos pesquisar um pouco, refazer o caminho que os mestres criadores da nova técnica palmilham. Primeiramente, vamos nos indagar algo que todos achamos que sabemos: - O QUE É COMPASSO? Vamos dar uma definição curta: é o espaço compreendido entre duas tesis. O QUE É TESIS? Pé no chão, segundo a métrica grega. Apoio. (Que muita gente boa confunde com ACENTO...) É o oposto de ARSIS, palavra grega que significava pé no ar. (Na prosódia: sílaba tônica = tesis; sílaba átona = arsis).
            Assim, um compasso de dois tempos (binário) seria: um tempo tesis, outro tempo arsis; - um compasso de três tempos (ternário): 1º. tempo – tesis; 2º. e 3º. tempos – arsis; - um compasso de quatro tempos (quaternário): 1º. tempo – tesis; 2º. e 4º.  tempos – arsis, sendo que no 3º. pode  pode o que no 3o.trê teois tempos (binsignificava pmos que sabemos: - O QUE azer o caminho que os mestres criadores da nova thaver uma “meia tesis” o meio apoio (mas não necessariamente, principalmente em tempos rápidos).
            E aqui, nosso primeiro princípio universal: em qualquer lugar do mundo atua a leia da gravidade. Portanto, toda noção de apoio é para baixo. Por isso, toda tesis, todo tempo 1 (um) deve ser embaixo, precedido pela linha vertical que o indica pela queda livre do braço relaxado.


terça-feira, 15 de setembro de 2015

Divulgação Concerto Sacro - Coro Lírico de Minas Gerais

Ainda em tempo: o Coral Lírico de Minas Gerais se apresentará, hoje, na Igreja de São Sebastião (Rua Paracatú, 460, Barro Preto), às 19h30.
Com um repertório totalmente sacro, o CLMG resgata o formato dos concertos sacros que eram feitos nas igrejas europeias dos séculos XVII e XVIII. Aproveitando a excelente e rica sonoridade do órgão de tubos, a proposta é intercalar os números escritos para coro e órgão, por tocatas de órgão solo, resgatando um diálogo de um tempo em que música na igreja era permitida somente se fosse interpretada pela voz humana, ou pelos tubos do órgão. A regência será do maestro Lincoln Andrade.
O programa é composto por obras de compositores como Bach, Mozart, Duruflé, Bruckner, Brahms e Louis Vierne. O acompanhamento e os solos de órgão são do pianista acompanhador do CLMG e organista da Igreja de São Sebastião, Hélcio Vaz do Val.


PROGRAMA
Tocata – solo de órgão
Thomas Tallis – “Spem in Allium”
Johann Sebastian Bach – “Jesus bleibet meine Freude”
Wolfgang Amadeus Mozart – “Ave, verum corpus”
Tocata – solo de órgão
Maurice Duruflé – “Ubi Caritas”
Pablo Casals – “O vos Omnes”
Heitor Villa Lobos – “Ave Maria”
Tocata – solo de órgão
Anton Bruckner – “Tota Pulchra es Maria”
Johannes Brahms – “Geistliches Lied”
Loius Vierne – “Kyrie Eleison”


Vale a pena!!! Maiores informações em: http://fcs.mg.gov.br/programacao/lirico-sacro-2/

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (6)

Continuação do item anterior...

FRASEIO
            Na música puramente instrumental, o fraseio cuida da boa construção da frase musical, ordena as pequenas articulações. Cuida também do aspecto fenomenológico da frase, das tensões e distensões que as relações sonoras engendram, impulsionando ou retendo a energia segundo seus elementos estruturais (melódicos, rítmicos, harmônicos) engendram. Se a música é vocal, sobre um texto poético/literário, temos também o fraseio do ponto de vista do texto. A combinação do fraseio musical com o fraseio literário depende muito de época, estilo, gênero, compositor. Em princípio, há leis básicas que são aplicáveis à maioria das situações. Em primeiro lugar, é preciso situar o relacionamento numérico entre sílaba e nota, (como já mencionamos antes: muitas notas para uma sílaba – melismático; muitas sílabas para uma nota – recitado; uma sílaba para cada nota – silábico) para saber que tipo de frase-texto teremos em relação ao fraseio melódico. Porém, em geral, duas constantes cabem: a acentuação correta do texto (que deve predominar), e as notas em vocalize mais leves que as que levam texto articulado (costumo pedir meia voz nas notas em vocalize).
            Mas, um dos pecados maiores quanto ao fraseio, é muito mais rudimentar e infelizmente muito comum: o excesso de zelo quanto às RESPIRAÇÕES. A preocupação com a respiração nas vírgulas e pontos do texto literário levam diversos regentes a cortar o coro com o gesto e a comandar novo ataque com outro gesto. Isto que pode ser correto, bom, necessário mesmo e de forte efeito em grandes articulações, às vezes exigidas pelo próprio compositor, ou justificadas pelo caráter do texto, feito a cada momento, a cada pequeno trecho ou membro de frase, pode ser catastrófico para o resultado final da peça COMO MÚSICA, pois a fragmenta, faz perder o já falado “fio condutor”, não por seu enfraquecimento (caso da “música arrastada”), mas por rompê-lo a cada instante.
            Alguns podem ter uma impressão (extra-musical) de comando e disciplina coral (“ah, como esse regente tem cortes precisos; como o coro é disciplinado; como segue o maestro...”), só que, com esse zelo pelo que há de mais elementar no fraseio, o regente estará fracionando tudo, rompendo a continuidade sonora e dando ênfase exagerada às respirações e articulações do texto, esquecendo-se de que estará liquidando a unidade do todo, fazendo do mesmo “uma colcha de retalhos”. Isto rompe o encadear das energias que, como dissemos, levam a música para frente.
(NOTA: afinal, as leis que regem a música são, no seu aspecto fenomenológico, as da Mecânica dos Fluídos (como na Hidráulica). Como a água, por exemplo, a melodia flui no sentido horizontal, sofrendo impulso ou retensão, como acontece com o rio: uma vez estreitado entre escarpas, corre tumultuado; depois as margens se alargam o fluxo torna-se tranquilo, até lento; uma vez encontrando obstáculo, as águas represadas se avolumam, cresce a tensão, depois, vencida a barragem, salta veloz sobre ela... O RITMO e a HARMONIA são os elementos que impulsionam ou retêm o fluxo melódico, criando suas tensões e distensões.)
            Recordemos o conceito de que uma peça coral se arma “como um arco de uma ponte”. Se sua tensão se quebra, a estrutura é rompida. Esfacela-se a ponte. Na própria linguagem falada não respiramos a cada vírgula. Então, de onde essa tendência? Agora, mesmo, respirando, fazê-lo sem ênfase, sem exagero. Aliás, ao cortar e atacar, acaba a respiração ficando mais longa que o pretendido, “esticando” o compasso, às vezes de quase um tempo a mais. E, já que falamos em linguagem falada, vamos entrar um pouco mais num dos aspectos mais importantes do fraseio: a diferenciação entre as sílabas tônicas e átonas.

            Tomemos, por experiência, um trecho vocal com texto, do tipo “silábico” e leiamos em voz alta (sem cantar, apenas falando) o texto. – O que acontece? Vamos ver que só apoiamos, damos ênfase, a certas sílabas, as chamadas sílabas tônicas. E vamos notar que se trata muito mais de fazer as chamadas sílabas tônicas mais longas que as outras, (chamadas sílabas átonas), do que propriamente fazer nelas um acento. Procuremos, depois, cantar o trecho conservando a acentuação da palavra falada, apoiando nas tônicas e fazendo leves as átonas. Vamos ver, então, como ganhamos em clareza, expressividade, como a peça musical se enriquece e ganha uma nova dimensão. A linguagem falada é riquíssima em inflexões. Por que perder toda essa riqueza ao cantar? Já temos ouvido tanta joia musical se tornar pesada, maçante, simplesmente porque os cantores acentuavam igualmente todas as sílabas, “mastigando” o texto. Na forma “recitada”, então, isto é importantíssimo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Abertura do Barbeiro de Sevilha (King's Singers)

Aproveitando um dos posts da semana, no qual Carlos Alberto refletia sobre arranjos para coro de peças escritas para outras formações, aqui vai um divertimento realizado por esse incrível conjunto: The King's Singers.
Um bom fim de semana a todos!!!


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (5)

Aconselho a todos os que trabalham coros a guardarem esses textos de reflexões do maestro Carlos Alberto, pois não são tão fáceis de encontrar...

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral
D.    ANDAMENTO E FRASEIO
            A meu ver, toda peça tem seu andamento ideal, aquele em que “cada nota dá tudo o que pode dar”, onde cada peça da engrenagem está perfeitamente ajustada no todo. Acho que esse “andamento ideal” é relativo, mas, “numa pequena faixa”, pois o andamento está também relacionado com algumas variáveis, tais como a acústica o tamanho e a capacidade técnica do coro. Numa acústica “para mais”, tendente a conservar o som pela quantidade de ressonância da sala, um andamento rápido trará como resultado uma superposição sonora vulgarmente denominada “embolação”. Numa acústica seca, ao contrário, é difícil sustentar um andamento lento, pois as relações entre os sons se perdem ou ficam inconsistentes. (Acústicas “para mais”: certas igrejas ou ambientes amplos abobadados, em pedra, concreto, vidro ou formas que produzem “eco”. Acústica para “menos”, “secas”: auditórios de rádio ou TV, tratados para não terem “retorno” ou ressonância, ou todos aqueles tratados com material acústico absorvente, assim como os palcos abertos em cima e sem defletores de som superiores, salões com muito tapete, cortina, estofamento, materiais absorventes. E, o pior de todos: “ao ar livre”. Fujam de aceitar compromisso em praça pública, ao ar livre, se não forem favorecidos por uma concha acústica ou por um ambiente de altas paredes em torno. Cantar à noite, numa rua estreita de Ouro Preto, entre grandes casarões, tudo bem, a ressonância é deliciosa. O mesmo não acontece na Praça dos Três Poderes, em Brasília... Aliás, este assunto mereceria um estudo à parte, tão importante é o aspecto acústico, em se tratando de apresentações corais.
            Para encontrar o andamento ideal de uma peça devemos partir de uma pesquisa que deverá ser mais complexa na medida em que as indicações forem menos precisas, o que em geral sucede na medida em que recuamos no tempo. Os compositores modernos costumam ser bem precisos, inclusive com indicações metronômicas ou de minutagem. O mesmo não acontece com os antigos. Da Renascença para trás, só uma análise detalhada da partitura nos levará a uma aproximação com o andamento ideal. Porém, cuidado: há revisores que pretendem fazê-lo por nós, e o fazem muito mal. Indicações de intensidade (f, ff, p, pp, cresc., dim., etc.) ou agógicas (rall., accel., rit., etc.) ou de andamento, seja com a terminologia tradicional (allegro, andante, adágio, presto, etc.), seja com minutagens ou com dados metronômicos, se são discutíveis no século XVIII, da Renascença para trás, então, certamentte pode-se considerar obra de revisores, na maior parte falseadores do estilo. Quando nada, refletem versões pessoais, ainda envoltas nas concepções individualistas do Pós-Romantismo, incapazes de compreender a simplicidade e limpidez da música renascentista. No Renascimento e nas épocas anteriores, não existia compasso, nem se fazia partituras com a superposição vertical (gráfica) das vozes. Escrevia-se cada linha melódica separadamente e era música “mensurada”, isto é, respeitava-se a duração das notas pelas figuras, mas não havia a barra de compasso. Assim, os apoios (tesis) não eram regulares como no compasso (apoio no tempo “um”), mas dependiam exclusivamente do texto literário: os apoios eram os das sílabas tônicas. Na polifonia da Renascença, onde as linhas melódicas são tão independentes, não coincidindo as palavras nem a curva melódica, cada voz fica então com seus apoios tônicos e fraseio individuais. Riqueza rítmica e independência tais entre as vozes constituem o que de mais fascinante nos legou essa “época de ouro” do canto coral.
            Em qualquer época, porém, há o aspecto fenomenológico ligado ao andamento: no tempo ideal, tudo se ajusta. Na medida em que apressamos, começa a não haver tempo suficiente para a assimilação de cada elemento musical. Ao contrário, se o andamento se torna devagar demais, as relações entre os elementos começam a se perder, a música fica “arrastada”, a mensagem não chega ao ouvinte, pois seu aparelho auditivo não sente mais aquele “fio condutor” que leva a “tensão”, as “energias sonoras” para diante. Neste caso, a música não se “constrói”, porque a estrutura não se arma, os “tijolos” ficam separados, não há “cimento” que os ligue... É verdade que um grande regente, com um excelente conjunto, consegue, às vezes, versões extraordinárias, explorando ”as extremas” desse flexível “andamento ideal”, isto é, fazendo mais rápidos os andamentos rápidos, evitando a “embolação” por meio de uma articulação virtuosística e uma transparência ou leveza sonora resultantes de muita técnica e preparo, ou alargando os andamentos lentos sem perder a “tensão”, ao contrário, sustentando-a através de uma “linha de canto” muito bem mantida, criando aquela atmosfera que prende o auditório quase que em suspense. Transpondo para a linguagem sinfônica, é o que Furtwangler fazia com a “Marcha Fúnebre” da 3ª. Sinfonia de Beethoven. Mas, são coisas dos “grandes”. Querer imitá-los, sem ter seus recursos, pode ser fatal.

            Ainda no tópico sobre ANDAMENTO, uma reflexão sobre arranjos de música brasileira: essa conhecemos, ou podemos pesquisar com mais facilidade. Primeiro, escolher ou fazer um arranjo que não deixe perder os característicos originais da música, ou seja, o caráter que tem no ambiente onde surgiu. Sua colocação em linguagem coral deve ser tão hábil que mantenha a mesma espontaneidade, por exemplo, da mesma canção cantada por uma só voz com acompanhamento de violão. Isto vale, não só para a densidade harmônica, quanto para o andamento. Um arranjo muito denso pode impedir um andamento semelhante ao de suas origens, mas muitas vezes é o regente o único responsável ...). Não tem sentido uma canção que, ao violão, é cantada com leveza, brejeira, saborosa, soar no coro como uma “marcha fúnebre”, às vezes ainda com a grotesca sobrecarga dos “efeitos gratuitos”.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (4)


Dando sequência ao assunto Estilo, o maestro tece considerações sobre arranjos e efeitos, assunto por demais discutido no meio coral. Aos que começaram a leitura das reflexões hoje, sugiro que leiam os posts dos dias anteriores.

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral
            Muito cuidado com ARRANJOS. Ao fazê-los, ou ao escolher um para seu coro, pode acontecer (e acontece muito) que o pecado contra o estilo já esteja no próprio arranjo. E, caros colegas, muito cuidado com os “efeitos gratuitos”. É preciso muito cuidado para que os “efeitos corais” não sejam GRATUITOS; não sejam elementos falseadores do estilo, sem nexo com a peça, tanto em relação ao texto quanto à estrutura. Um “efeito gratuito” pode mesmo quebrar a estrutura de uma peça ou destruir o sentido do texto poético/literário que o coro está cantando. Exemplo de “vítima” constante de “efeitos gratuitos” são os negro spirituals. É certo que os coros norte-americanos, principalmente os negros, têm uma gama de cores, acentuações dinâmicas e agógicas, que significam, em alguns casos, uma rica palheta de efeitos corais. Mas é tudo dentro de uma espontaneidade viva, “está no sangue”, como está o samba e a ginga de uma batucada para uma sambista da Portela ou da Mangueira. Os efeitos acentuam o sentido do texto, o sabor das síncopes, o “swing” do estilo jazzístico. É preciso ouvir, se possível ao vivo, ao menos as gravações dos bons conjuntos americanos. Porque, digamos francamente, tem gente fazendo “efeitos”, que “não estão com nada”; cortes bruscos, acentos exagerados, muitas vezes piorados pelo famigerado “ataque por baixo”... (atacar por baixo é, “em última análise”, atacar numa afinação mais baixa, atingindo a nota certa por uma “escorregada”, isto é, “glissando” ou “portando” ascendentemente, vício que muitos cantores desavisados fazem até sem perceber... O ataque por baixo é companheiro de outro vício igualmente péssimo que é o “portamento gratuito” que é fazer um “glissando” em cada intervalo descendente. No “ataque por baixo” a escorregada é “de baixo para cima” e, no “portamento”, de “cima para baixo”). Afinal, são vícios insuportáveis, que surgem em corais onde não há um mínimo de cuidado com a qualidade do trabalho. Tanto no caso dos “spirituals”, como no da Renascença, ou qualquer outro estilo, ouvir boas gravações ajuda, e muito. Não no sentido de copiar, mas para aprender. Meus amigos: - (e agora falo principalmente para os jovens colegas que se iniciam na regência) todos nós nos apaixonamos, dirigindo vozes, pela “mágica do som”, por essa facilidade em tirar efeitos das vozes, por essa possibilidade fantástica que o coro, uma vez “em nossas mãos”, oferece em matéria de matizamento, plasticidade sonora, efeitos, enfim. Mas, cuidado. É preciso nos questionar sempre para não falsearmos a mensagem autêntica, o estilo, a época, o autor. Para acharmos a verdade da música, a seriedade, o estudo e a simplicidade são essenciais.

            Atenção, pois, com o “efeitismo”, tentação que pode nos levar para uma falsa trilha, mesmo porque o grande público pode ser seduzido pelo seu brilho fácil (falso) e incentivará esse “efeitismo” na medida em que o regente for hábil, musical, e o coro reproduzir seus gestos em surpresas sonoras que causem admiração e aplauso. Só que então, “ESTAREMOS NOS SERVINDO DA MÚSICA, MAS NÃO A ELA...”

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (3)

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral

  1. ESTILO
            Cabe, a fidelidade ao estilo, exclusivamente à formação cultural do regente. Para os regentes que começam, recomendaria uma preocupação especial com este aspecto tão fundamental para uma recriação autêntica: o estilo.
            O estilo tem características de época, gênero ou forma musical, autor. Deveríamos pesquisar inclusive, com que finalidade uma peça era composta em sua época, em que locais era cantada e em que ocasiões, se por um grupo pequeno ou grande de cantores, se era acompanhada por instrumentos, se era dançada ou representada. (Por ex., na Renascença italiana, os “baletti” eram cantados, tocados e dançados, enquanto as peças do Festino, de Banchieri, eram cantadas e representadas). Sabendo o local, tentar fazer uma ideia da acústica onde tal peça era apresentada. Importante também é conhecer os elementos formais ou estruturais que caracterizam cada período, pois aí vemos que estilo não é algo exterior ou uma maneira de interpretar, mas muito mais que isso, é inerente à própria estrutura da música.
NOTA: Alguns exemplos: o contraponto linear, resultante da superposição de melodias independentes, feitas na base de graus conjuntos com poucos saltos, empregando os chamados “modos litúrgicos”, são alguns característicos básicos das peças da Renascença, além de que, nesse período, mesmo a música instrumental é escrava da escritura vocal. Já no Barroco existe a tonalidade, porém a largos traços, dentro da chamada “forma aberta”: a cadência só aparece no fim de um trecho ou no fim da peça, tudo ainda é baseado em contraponto, especialmente na música coral. Só que, no último barroco, característico da primeira metade do século XVIII, (Bach-Haendel), a escritura vocal já imita a linguagem instrumental do século precedente, daí sua maior complexidade técnica (ligada à tessitura, âmbito, respiração, vocalizes, demandando pois uma técnica vocal que a Renascença não pedia...) Exemplo de um elemento estrutural que caracteriza bem um estilo: cadência com a dissonância resolvendo por salto de terça ascendente – característico do período de transição para a Renascença (inícios do século XV – escola do inglês Dunstable e da Escola de Borgonha: Dufay e Binchois, principalmente). Voltando mais atrás, entre outros característicos estruturais (como as séries rítmicas) o século XIV apresenta, com Machaut e Landino, sensíveis duplas, resolvendo paralelamente.

(Nota: Quando um elemento estrutural se torna reconhecível e se repete, torna-se também FORMAL, gera forma. É também estilístico se caracteriza época, gênero ou compositor).

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (2)

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral
  1. PREPARO DE CADA PEÇA

O primeiro cuidado, lidando com cantores não musicalizados, deverá ser, evidentemente, com os dois elementos básicos do aprendizado de uma peça: a justeza do RITMO e a ENTOAÇÃO CORRETA dos intervalos melódicos. Não deixar passar um erro. Como dizia nosso Mestre Kurt Thomas (maestro alemão, mestre-capela na Igreja de São Tomás, em Leipzig, e que deu aulas nos Seminários de Música da Bahia), “os erros criam asas...” Não deixar para trás uma dúvida de ritmo ou nota, em nenhuma voz ou cantor. Para tal, nada como um trabalho cuidadoso com cada voz, separadamente. Uma vez aprendida a peça, no que concerne a ritmo e nota, (trabalho que deve ser feito com um sílaba neutra como “lá-lá-lá”) vem o “trabalho com o TEXTO, com a DICÇÃO”. Tal trabalho pode significar 70 por cento ou mais no resultado final de uma peça, dependendo evidentemente se ela é “silábica”. Podemos dividir três tipos de situação quando temos texto sobre música: a) SILÁBICA – uma sílaba para cada nota; b) MELISMÁTICA (de melisma – vocalise) – muitas notas para um sílaba; c) RECITADA – muitas sílabas para uma nota só (vem de “recitativo in recto tono” do gregoriano). Neste caso, mesmo se as sílabas são colocadas com várias, MAS COMO NOTA REPETIDA, devemos considerar que estamos declamando EM CIMA DE UMA ÚNICA NOTA, (evitando um ataque para cada nota). Isto porque cada nota, neste caso, refere-se aos aspectos de “duração” de cada sílaba, mas não há intervalo, não há mudança de som. Em relação ‘a dicção, temos que pensar que a articulação, no coro, perde em clareza, na medida em que o conjunto é numericamente grande: um conjunto de 12 cantores terá muito mais facilidade de fazer uma dicção perfeita que um coro de 80 vozes. (Isto evidencia-se ainda mais em gravações.) A razão é que a duração da “consoante” é muito pequena, comparada com a duração da “vogal”. Para conseguir melhor resultado, temos que: 1º.) ampliar ao máximo a duração das consoantes; 2º.) melhorar sua qualidade, obrigando os cantores a articular melhor, aumentando a pressão nos lábios, língua, dentes; 3º.) conseguir o máximo de precisão nos ataques: ataque impreciso significa que cada cantor articula um pouco antes, um pouco depois dos outros, tendo como resultado uma diminuição sensível da clareza ou mesmo a audição de dois ou três ataques, o que é péssimo. Mas, para uma precisão nos ataques, temos que ter, antes de tudo, a precisão e a clareza NO GESTO. Isto posto, trabalhar o coro nesse sentido, exigir, insistir, até alcançar o resultado desejado. Robert Shaw (regente americano que criou e conduzia o Robert Shaw Chorale, grupo referencial da metade do século XX) chega a recomendar uma “dicção híbrida”, não digamos artificial, mas artesanal. Seria acrescentar vogais, levíssimas diante das consoantes problemáticas, principalmente para se fazerem ouvir certos grupos consonantais ou determinadas consoantes finais, mormente em línguas estrangeiras. Em latim, por exemplo: a) “CHRISTE”; b) “DEUM”. A tendência é ouvirmos algo como “RISTE” e “DEŨ”. Shaw acrescentaria um “i” brando entre o “c” e o “r” de “Christe”, e um “a” levíssimo após o “m” de “Deum”. (Devagar, soaria “Kiríste” e “Deuma”). Trabalhando neste sentido, criando outros “truques” em situações semelhantes, o regente pode chegar a um resultado surpreendente, com a dicção, evidentemente evitando exageros ou que fique adulterado o “sotaque” usual do idioma, ou que o artifício fique aparente. É comum, entretanto que, quando trabalhamos muito com a articulação das consoantes (por uma associação psicológica que os cantores fazem), o que conseguimos com a dicção prejudica a continuidade e fluidez da linha melódica. Isto acontece por que o corista começa a “mastigar” as sílabas, encurtando também as vogais e acentuando cada sílaba. Temos que contrabalançar trabalhando a linha em “legato” e em vocalize, (sobre “ô”, por ex.) e fazer o coro articular sobre a continuidade do som. Não nos esqueçamos de que a beleza da linha, a “cor” das vozes aparece é nas vogais, enquanto que o elemento articulador é a consoante. Só que, além da simples compreensão do texto (o que já é muito bom), podemos conseguir mais das consoantes: tirar partido de suas propriedades sonoras (percutivas, sibilantes, aspiradas, etc.) como elemento de qualidade musical. Peças leves, rápidas, como certos madrigais tipo “fa-la-la”, certos “balletti”, no estilo da Renascença profana, têm em geral, grande parte do sucesso que alcançam creditado a um trabalho bem feito com a dicção. As peças lentas, as sacras, são mais difíceis, implicam em TENSÕES e DISTENSÕES melódicas e harmônicas, pois, além do trabalho com o texto, o regente deverá realizar os diversos elementos estruturais (harmônicos, melódicos, temáticos, etc.) em conformidade com o tipo de linguagem musical empregada. No barroco, por ex., principalmente nas peças corais polifônicas de maior fôlego, é importante a realização de cada linha melódica cujas tensões caminham para seus pontos culminantes (melódicos) que por sua vez levam ao ponto culminante principal, em cada trecho. É o inter-relacionamento entre os pontos culminantes secundários e o principal que faz a chamada “grande linha” em Bach, para citar o mais complexo compositor do barroco, (como realização). É lógico que um regente que conheça a técnica composicional de cada período e que conheça a fenomenologia da música, saberá realizar melhor as estruturas e saberá ressaltar os elementos formais, “construindo” cada peça de modo a que cada parte se integre no todo, dando cada elemento sonoro tudo o que deve dar, mas contribuindo para a unidade final, sem perder de vista o estilo do autor e sua época.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1)

Após o 1º. Encontro de Corais Mineiros, em 1980, alguns dos maestros participantes pediram a Carlos Alberto Pinto Fonseca uma crítica sobre seus corais. Entendendo, sabiamente, que "crítica é algo delicado", sobretudo naquele caso em que vários dos regentes participantes foram seus alunos em festivais, Carlos Alberto preferiu não emitir opiniões. No entanto, optou por abordar alguns problemas básicos que “podem ocorrer no trabalho com coro, sem se referir a nenhum colega ou conjunto, em especial”, publicando considerações em alguns números do jornal da Federação Mineira de Conjuntos Corais, entidade que já não existe mais.
Sua colaboração ajudou, e continua ajudando, sobremaneira os jovens regentes, pois servem como um primeiro passo para reflexões pessoais sobre alguns tópicos relativos ao trabalho coral, os quais transcrevo em uma sequência de posts. Ainda que eu não concorde com alguns pontos explicitados pelo maestro, e ainda relevando algumas informações históricas que já foram modificadas pelas pesquisas musicológicas dos últimos 30 anos, entendo que a importância dessa opinião permanece, tanto que a ela recorro muitas vezes como partida para reflexões próprias.
Suas observações foram divididas em seis partes:
a)      Repertório;
b)     Preparo da Peça;
c)      Estilo;
d)     Andamento e Fraseio;
e)      Técnica vocal;
f)       Técnica do Gesto ou Regência.

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral – Carlos Alberto Pinto Fonseca
  1. REPERTÓRIO
Não devemos dizer que os corais devam fazer tal ou tal repertório. Mas, o repertório dentro de sua comunidade, deve procurar sempre uma melhoria de nível. Principalmente, ter consciência de que o coro é também um instrumento de cultura e que tem sua linguagem específica.
Achamos que a música coral da Renascença (compositores entre 1450 e 1600), chamada “o período áureo da polifonia vocal”, é excelente veículo de aprendizado, não só para corais novos, como para os que não dispõem de muitos recursos técnico-vocais: em geral, possuem tessitura cômoda, intervalos melódicos fáceis, ritmos relativamente simples, cada voz tem sua linha melódica própria e as peças atingem ótimos resultados sonoros dentro de uma economia de recursos admirável. Em geral, são peças curtas, de fácil assimilação para o coro e também para o público, especialmente as da Renascença profana, de caráter leve, onde se pode tirar muito partido da dicção. (obs. Cuidado, entretanto, com as obras dos períodos de transição: as obras do século XV, como as de Dunstable, Dufay, Binchois e seus contemporâneos, ou mesmo as de Ockeghem ou Obrecht, pois estão ainda sob as influências da complexa estrutura rítmico-melódica que floresceu no século anterior, apresentando dificuldade de execução, especialmente na música religiosa. Da mesma forma, os compositores do fim da Renascença, já perto do Barroco, tornam-se mais complexos quando começam com cromatismos como os de Gesualdo da Venosa (1560-1613), talvez o mais audaz e difícil compositor renascentista. Enquanto a música profana da Renascença é, como dissemos, simples de realizar, já o chamado “grande barroco” de Bach e Haendel é dos mais difíceis de se fazer bem, pois exige tessitura bem mais ampla e pressupõe uma técnica vocal apreciável, principalmente as que apresentam longos vocalizes. (Não fazer, em apresentações públicas, repertório acima das possibilidades técnicas do conjunto...)

Ainda dentro do tema REPERTÓRIO, gostaria de fazer um apelo no sentido de ficarmos dentro da linguagem específica para CORO A CAPPELLA. Música que foi composta para ser cantada com orquestra (ópera, oratório, cantata), só deve ser cantada com orquestra, dentro de sua função. Sem a parte instrumental fica incompleta; com piano fazendo o acompanhamento no lugar da orquestra, péssimo. (Particularmente, só me agrada coro com piano em situações muito especiais, quando a obra já foi composta para coro e piano por um compositor que conhecia a fundo o coro e o piano, como é o caso de Brahms). No caso de ARRANJOS, saber se o arranjo mantém o sabor original, a leveza, a brejeirice, a ingenuidade ou espontaneidade popular, no caso do folclore: se é escrito em linguagem coral, se cada voz é bem escrita, tem conteúdo, no caso geral. Os arranjadores deveriam ter em mente que cada voz deve ser portadora do conteúdo musical, que no coro todas as vozes são igualmente importantes. Não têm interesse arranjos corais onde o soprano apenas canta a melodia principal, enquanto as outras vozes ficam a fazer “tum-tum-tum” ou “la-la-la”, sem um maior conteúdo melódico, rítmico, contrapontístico ou harmônico.