quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (2)

Reflexões em torno de elementos básicos da Regência Coral
  1. PREPARO DE CADA PEÇA

O primeiro cuidado, lidando com cantores não musicalizados, deverá ser, evidentemente, com os dois elementos básicos do aprendizado de uma peça: a justeza do RITMO e a ENTOAÇÃO CORRETA dos intervalos melódicos. Não deixar passar um erro. Como dizia nosso Mestre Kurt Thomas (maestro alemão, mestre-capela na Igreja de São Tomás, em Leipzig, e que deu aulas nos Seminários de Música da Bahia), “os erros criam asas...” Não deixar para trás uma dúvida de ritmo ou nota, em nenhuma voz ou cantor. Para tal, nada como um trabalho cuidadoso com cada voz, separadamente. Uma vez aprendida a peça, no que concerne a ritmo e nota, (trabalho que deve ser feito com um sílaba neutra como “lá-lá-lá”) vem o “trabalho com o TEXTO, com a DICÇÃO”. Tal trabalho pode significar 70 por cento ou mais no resultado final de uma peça, dependendo evidentemente se ela é “silábica”. Podemos dividir três tipos de situação quando temos texto sobre música: a) SILÁBICA – uma sílaba para cada nota; b) MELISMÁTICA (de melisma – vocalise) – muitas notas para um sílaba; c) RECITADA – muitas sílabas para uma nota só (vem de “recitativo in recto tono” do gregoriano). Neste caso, mesmo se as sílabas são colocadas com várias, MAS COMO NOTA REPETIDA, devemos considerar que estamos declamando EM CIMA DE UMA ÚNICA NOTA, (evitando um ataque para cada nota). Isto porque cada nota, neste caso, refere-se aos aspectos de “duração” de cada sílaba, mas não há intervalo, não há mudança de som. Em relação ‘a dicção, temos que pensar que a articulação, no coro, perde em clareza, na medida em que o conjunto é numericamente grande: um conjunto de 12 cantores terá muito mais facilidade de fazer uma dicção perfeita que um coro de 80 vozes. (Isto evidencia-se ainda mais em gravações.) A razão é que a duração da “consoante” é muito pequena, comparada com a duração da “vogal”. Para conseguir melhor resultado, temos que: 1º.) ampliar ao máximo a duração das consoantes; 2º.) melhorar sua qualidade, obrigando os cantores a articular melhor, aumentando a pressão nos lábios, língua, dentes; 3º.) conseguir o máximo de precisão nos ataques: ataque impreciso significa que cada cantor articula um pouco antes, um pouco depois dos outros, tendo como resultado uma diminuição sensível da clareza ou mesmo a audição de dois ou três ataques, o que é péssimo. Mas, para uma precisão nos ataques, temos que ter, antes de tudo, a precisão e a clareza NO GESTO. Isto posto, trabalhar o coro nesse sentido, exigir, insistir, até alcançar o resultado desejado. Robert Shaw (regente americano que criou e conduzia o Robert Shaw Chorale, grupo referencial da metade do século XX) chega a recomendar uma “dicção híbrida”, não digamos artificial, mas artesanal. Seria acrescentar vogais, levíssimas diante das consoantes problemáticas, principalmente para se fazerem ouvir certos grupos consonantais ou determinadas consoantes finais, mormente em línguas estrangeiras. Em latim, por exemplo: a) “CHRISTE”; b) “DEUM”. A tendência é ouvirmos algo como “RISTE” e “DEŨ”. Shaw acrescentaria um “i” brando entre o “c” e o “r” de “Christe”, e um “a” levíssimo após o “m” de “Deum”. (Devagar, soaria “Kiríste” e “Deuma”). Trabalhando neste sentido, criando outros “truques” em situações semelhantes, o regente pode chegar a um resultado surpreendente, com a dicção, evidentemente evitando exageros ou que fique adulterado o “sotaque” usual do idioma, ou que o artifício fique aparente. É comum, entretanto que, quando trabalhamos muito com a articulação das consoantes (por uma associação psicológica que os cantores fazem), o que conseguimos com a dicção prejudica a continuidade e fluidez da linha melódica. Isto acontece por que o corista começa a “mastigar” as sílabas, encurtando também as vogais e acentuando cada sílaba. Temos que contrabalançar trabalhando a linha em “legato” e em vocalize, (sobre “ô”, por ex.) e fazer o coro articular sobre a continuidade do som. Não nos esqueçamos de que a beleza da linha, a “cor” das vozes aparece é nas vogais, enquanto que o elemento articulador é a consoante. Só que, além da simples compreensão do texto (o que já é muito bom), podemos conseguir mais das consoantes: tirar partido de suas propriedades sonoras (percutivas, sibilantes, aspiradas, etc.) como elemento de qualidade musical. Peças leves, rápidas, como certos madrigais tipo “fa-la-la”, certos “balletti”, no estilo da Renascença profana, têm em geral, grande parte do sucesso que alcançam creditado a um trabalho bem feito com a dicção. As peças lentas, as sacras, são mais difíceis, implicam em TENSÕES e DISTENSÕES melódicas e harmônicas, pois, além do trabalho com o texto, o regente deverá realizar os diversos elementos estruturais (harmônicos, melódicos, temáticos, etc.) em conformidade com o tipo de linguagem musical empregada. No barroco, por ex., principalmente nas peças corais polifônicas de maior fôlego, é importante a realização de cada linha melódica cujas tensões caminham para seus pontos culminantes (melódicos) que por sua vez levam ao ponto culminante principal, em cada trecho. É o inter-relacionamento entre os pontos culminantes secundários e o principal que faz a chamada “grande linha” em Bach, para citar o mais complexo compositor do barroco, (como realização). É lógico que um regente que conheça a técnica composicional de cada período e que conheça a fenomenologia da música, saberá realizar melhor as estruturas e saberá ressaltar os elementos formais, “construindo” cada peça de modo a que cada parte se integre no todo, dando cada elemento sonoro tudo o que deve dar, mas contribuindo para a unidade final, sem perder de vista o estilo do autor e sua época.

Um comentário:

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