segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Reflexões de Carlos Alberto Pinto Fonseca (6)

Continuação do item anterior...

FRASEIO
            Na música puramente instrumental, o fraseio cuida da boa construção da frase musical, ordena as pequenas articulações. Cuida também do aspecto fenomenológico da frase, das tensões e distensões que as relações sonoras engendram, impulsionando ou retendo a energia segundo seus elementos estruturais (melódicos, rítmicos, harmônicos) engendram. Se a música é vocal, sobre um texto poético/literário, temos também o fraseio do ponto de vista do texto. A combinação do fraseio musical com o fraseio literário depende muito de época, estilo, gênero, compositor. Em princípio, há leis básicas que são aplicáveis à maioria das situações. Em primeiro lugar, é preciso situar o relacionamento numérico entre sílaba e nota, (como já mencionamos antes: muitas notas para uma sílaba – melismático; muitas sílabas para uma nota – recitado; uma sílaba para cada nota – silábico) para saber que tipo de frase-texto teremos em relação ao fraseio melódico. Porém, em geral, duas constantes cabem: a acentuação correta do texto (que deve predominar), e as notas em vocalize mais leves que as que levam texto articulado (costumo pedir meia voz nas notas em vocalize).
            Mas, um dos pecados maiores quanto ao fraseio, é muito mais rudimentar e infelizmente muito comum: o excesso de zelo quanto às RESPIRAÇÕES. A preocupação com a respiração nas vírgulas e pontos do texto literário levam diversos regentes a cortar o coro com o gesto e a comandar novo ataque com outro gesto. Isto que pode ser correto, bom, necessário mesmo e de forte efeito em grandes articulações, às vezes exigidas pelo próprio compositor, ou justificadas pelo caráter do texto, feito a cada momento, a cada pequeno trecho ou membro de frase, pode ser catastrófico para o resultado final da peça COMO MÚSICA, pois a fragmenta, faz perder o já falado “fio condutor”, não por seu enfraquecimento (caso da “música arrastada”), mas por rompê-lo a cada instante.
            Alguns podem ter uma impressão (extra-musical) de comando e disciplina coral (“ah, como esse regente tem cortes precisos; como o coro é disciplinado; como segue o maestro...”), só que, com esse zelo pelo que há de mais elementar no fraseio, o regente estará fracionando tudo, rompendo a continuidade sonora e dando ênfase exagerada às respirações e articulações do texto, esquecendo-se de que estará liquidando a unidade do todo, fazendo do mesmo “uma colcha de retalhos”. Isto rompe o encadear das energias que, como dissemos, levam a música para frente.
(NOTA: afinal, as leis que regem a música são, no seu aspecto fenomenológico, as da Mecânica dos Fluídos (como na Hidráulica). Como a água, por exemplo, a melodia flui no sentido horizontal, sofrendo impulso ou retensão, como acontece com o rio: uma vez estreitado entre escarpas, corre tumultuado; depois as margens se alargam o fluxo torna-se tranquilo, até lento; uma vez encontrando obstáculo, as águas represadas se avolumam, cresce a tensão, depois, vencida a barragem, salta veloz sobre ela... O RITMO e a HARMONIA são os elementos que impulsionam ou retêm o fluxo melódico, criando suas tensões e distensões.)
            Recordemos o conceito de que uma peça coral se arma “como um arco de uma ponte”. Se sua tensão se quebra, a estrutura é rompida. Esfacela-se a ponte. Na própria linguagem falada não respiramos a cada vírgula. Então, de onde essa tendência? Agora, mesmo, respirando, fazê-lo sem ênfase, sem exagero. Aliás, ao cortar e atacar, acaba a respiração ficando mais longa que o pretendido, “esticando” o compasso, às vezes de quase um tempo a mais. E, já que falamos em linguagem falada, vamos entrar um pouco mais num dos aspectos mais importantes do fraseio: a diferenciação entre as sílabas tônicas e átonas.

            Tomemos, por experiência, um trecho vocal com texto, do tipo “silábico” e leiamos em voz alta (sem cantar, apenas falando) o texto. – O que acontece? Vamos ver que só apoiamos, damos ênfase, a certas sílabas, as chamadas sílabas tônicas. E vamos notar que se trata muito mais de fazer as chamadas sílabas tônicas mais longas que as outras, (chamadas sílabas átonas), do que propriamente fazer nelas um acento. Procuremos, depois, cantar o trecho conservando a acentuação da palavra falada, apoiando nas tônicas e fazendo leves as átonas. Vamos ver, então, como ganhamos em clareza, expressividade, como a peça musical se enriquece e ganha uma nova dimensão. A linguagem falada é riquíssima em inflexões. Por que perder toda essa riqueza ao cantar? Já temos ouvido tanta joia musical se tornar pesada, maçante, simplesmente porque os cantores acentuavam igualmente todas as sílabas, “mastigando” o texto. Na forma “recitada”, então, isto é importantíssimo.

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